terça-feira, 20 de setembro de 2022

Nunca serão.

Passou a quarta-feira
Passou a ilusão
Passaram as chances
Passou o verão
Passaram poemas
Quantos poemas
Passaram em vão
Se bem que
A arte, o flow e o coração
Nunca foram nem serão

segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

04

         Essa noite sonhei que construía uma casa. Passei das 22h às 10h em um trabalho cansativo, juntando massas, tijolos, madeiras. E acordei emocionada. O sonho não tinha nenhuma relação com nada que poderia me deixar emotiva. Mas acordei, abri meu caderno e escrevi para eles. Há uma certo alívio na melancolia que tenho desse amor. Aproveitei, enquanto chorava sem me controlar, podia ao menos saber que eles foram reais. Minha tia me dizia para sair do mundo das palavras. "Saia do vale encantado que você criou e viva a realidade", ela dizia. Não teimava. E fingia obedecer. Tinha dó do muro que ela tinha criado em sua vida. Era alto, impossível de pular, de quebrar, de olhar através dele. Das 22h às 10h, construí uma casa. Nem se trabalhasse por todas as noites, conseguiria formar um muro desses. Ela trabalhou duro. E eu não consegui atravessar. Tenho uma entrega, porém, para quando encontrar uma porta lá no meio. Reservei amor, lembranças e consolo. E aguardo.
         Sorrio ao lembrar das histórias da minha tia com a minha mãe. E sorrio imaginando as coisas em sua cabeça. Imagina só, imaginar que escrever é imaginário.  Só uma porção de códigos, que juntos formam outra porção de códigos. Letras, palavras, frases. Madeira, teto, chão. Invenção. Eu escrevia. Não tinha nada. Nada mesmo. Mas era a única coisa capaz de aconchegar verdadeiramente um coração sem lar. Me fazia voltar pra casa, me fazia imaginar uma.
        Parecia um bom momento para me encorajar. Minha rinite atacava e se confundia com a minha manhã melancólica, enquanto eu abria as minhas caixas. Cheias de roupas, cheiros, fotos, recados e uma porção de objetos que mais pareciam lembranças de outra vida. O tempo passou devagar, a cada tirada de pó uma cena se formava. Mas fluiu como em um sonho, e em um piscar de olhos estava com o meu mundo formado naquelas quatro paredes. É engraçado. Porque era meu mundo. Mas também eram as histórias que eu queria esquecer. De qualquer forma, era o meu mundo. E parecia que o externo refletia o poço de memórias que viva dentro de mim. 
       Limpei o meu rosto, respirei fundo e levei o lixo para fora. As caixas que há tanto esperaram para serem retiradas. Ele estava quieto. Não sorriu, não pronunciou nenhuma palavra, e nem parecia me perceber quando desci as escadas. Eu já estava esperando alguma reação, talvez esperasse até um pingo de orgulho em seus olhos. Mas nada. Não sei o que esperava, já que era meu quarto dia com aquela figura praticamente estranha na minha vida. Talvez, imagine uma conexão que não há entre nós. Eu era uma orfã que atrapalhava a sua vida pacata. Não existe ligação entre eu e mais ninguém. 
       Tenho que parar de imaginar. Não sei. Só sinto. E sinto errado. Subi e voltei a escrever. Só uma porção de códigos, que juntos formam outra porção de códigos. Letras, palavras, frases. Madeira, teto, chão. Invenção. Eu escrevia. Não tinha nada. Nada mesmo. Mas era a única coisa capaz de aconchegar verdadeiramente um coração sem lar. Me fazia voltar pra casa, me fazia imaginar uma.

03

         De qualquer forma, passei o dia na casa sozinha tentando me desviar do quarto, apesar de me auto sabotar pra passar na frente dele quase que para tudo. Eu pensei em tentar abrir a porta algumas vezes, mesmo tendo quase que certeza de não estar aberta. E mesmo se estivesse, será que eu queria entrar? E se fosse mentira minha o que senti? E se fosse mentira dele, teria motivos certos para me esconder? Me fez mal o quarto uma vez, estava preparada para isso de novo? E se ele chegasse? E se percebesse por algum motivo? Eu não podia me dar o luxo de ser expulsa de casa. Então, bem, decidi ficar. Se fosse mentira minha, dele, ou de nenhum dois dois, vai saber. Ignorei. Era só um quarto. Atrás de uma porta. E eu, sem saber como abrir.
          Estava tudo bem, concluí depois da minha última tarefa do dia automática que eu usava para no fundo pensar sobre o que iria fazer. Para, então, seguir com o meu plano, peguei o livro de uma caixa antiga jogada pelo meu quarto e desci. Meu quarto era muito perto do lugar-que-eu-não-podia-entrar, então escolhi a sala para não pensar. Peguei um livro antigo do meu pai, mais uma das coisas encaixotadas que não via desde criança. O nome indicava algum tipo de suspense e gostei do símbolo da capa. Me aconcheguei com um cobertor no sofá que ainda não me abraçava e fiquei tentando entender o livro. Os autores que meu pai gostava eram bem complicados. Eu não podia lê-los na época que comecei a devorar livros porque minha mãe dizia que "não ia conseguir entender ainda". Confesso que ela estava certa, já que ainda não consigo decifrar mais do que uma frase. Me senti uma criança novamente. Mas depois concluí que meu pai tinha gosto estranho para leitura, mesmo.
          David chegou lá pra umas 20h, com aquele ar de que fez um monte de coisa e estava animado por isso. Aliás, ele estava sempre feliz. Não importava o que tinha acontecido em seu dia. Minha mãe me falou isso há muito tempo, lembrei no avião antes de chegar aqui. Ele fitou o meu livro como se conhecesse, mas com o jeito de quem olha um menino de 4 anos com uma enciclopédia na mão. Logo me sorriu com o olhar e soltou:
"Fez o que hoje, querida?"
"Nada de especial. Li um pouco, dei uma olhada nas minhas coisas, tirei umas músicas no violão.."
"Deu uma olhada?" Ele disse com aquele sorriso sereno que agora, como em alguma das vezes em que ele fala, mais parece do tipo que sabe tudo o que eu estou fazendo e a próxima coisa que vou dizer.
"É... minha vó tinha encaixotado umas coisas antigas que não via faz um tempo, algumas fotos, roupas de criança..." Desconversei. Sei que ele queria saber porque eu não usei meu tempo livre pra arrumar meu quarto.
"Se você ainda estiver se perguntando, fique aqui."
Fiquei vermelha e confusa, como ele sempre me deixa. E, quem não diria, estava pegando folêgo pra responder e lá vem ele mudando o rumo da conversa:
"Está com fome? Vou preparar uma macarronada pra gente!" Dizia esfregando a mão e indo pra cozinha. Fiz que sim com a cabeça ainda um pouco sem graça. Ele conseguia. Ele conseguia captar todo e qualquer sentimento meu, e transformar isso em uma conversa casual sem me deixar constrangida por mais de dez segundos. Enquanto pegava o casaco, café ou tirava os sapatos, podia falar qualquer coisa como se estivesse cantarolando uma música sem importância ou falando do tempo lá de fora.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Se fôssemos uma música, seríamos o eterno rascunho. Talvez falte uma nota, uma palavra, uma acústica melhor. Falta. Não se sabe o que. Mas falta. Se fôssemos dança, seríamos o ensaio final. No dia da estréia, parece que alguém faltou. Não se sabe quem. Mas faltou. Se fôssemos texto, seríamos esse. Escrito rápido, não publicado, não lido. Ele quase não existe.

Se fôssemos música, seríamos o mais complexo conjunto de notas já visto. Música clássica, fina, profunda, de chorar e rir e mudar o dia. Seríamos a mais bonita. Se fôssemos dança, seríamos a que todos sonham em saber. As de chocar, das que pausam a cada segundo para tentar entender, as que tentariam se espelhar. Se fôssemos texto, formaríamos enciclopédias. Das que duram séculos, as pesadas e antigas, de vô passar pro bisneto do neto. Se fôssemos reais, seríamos tudo. Mas não existimos. E, se não existimos, meu bem... não somos nada. 

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Essa gente é engraçada. E eu não consigo dar risada, não. Essa gente é gente fina. E parece que cada vez afina mais, pra mim. Não engrossa, não toma forma, não tem é nada. Essa gente é faladeira. E parece que eu não ouço, mais. Essa gente é quieta quando aparece a verdade. E eu ouço, bem mais. Essa gente é gente, e gente que é gente é essa coisa aí: ruim que dói. O jeito é fingir que não não viu. E rir. E engrossar. E escutar. E não escutar. Principalmente não escutar. Porque essa gente, não percebe muita coisa de verdade, não. E essa gente, só grita por aí porque tem medo de escutar. 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

02.

Acordei no desconhecido quarto ao lado do qual a palavra já me lembrava. Meu cômodo era simples, branco. Inteiro. E a cor já me lembrava. As escrivaninhas de madeira pareciam esperar pelas gavetas cheias de páginas de rascunhos. As caixas, que eram poucas e pequenas, pediam para ser esvaziadas e jogadas para longe. Não combinavam. Mas eu pedia a elas que esperassem, não sabia se ia ficar. Coloquei-as no armário manchado de adesivos já arrancados e tirei da menor uma foto da minha mãe. A coloquei em um porta retrato em cima da mesa, e ao lado uns livros que nunca li para ocuparem espaço. Talvez assim ele ache que eu sei que vou ficar. Mas eu não sei. E, dessa vez, nem sei se sinto. Fechei a porta do quarto e não conseguia olhar para outro lugar que não fosse... desci. Ele estava pronto para sair com duas xícaras de café na mão, e antes do meu bom dia já passou uma delas para mim. Como tinha me ouvido acord"Dormiu bem?" "Dormi sim, como se estivesse em casa" "Qual delas?", perguntou com um sorriso que me fez rir antes de responder que "A minha, a primeira". Ele pegou as chaves do bolso e disse que iria sair. "A casa é sua! Pegue o que quiser para comer e aproveite para explorar um tempo sozinha por aqui. Ah..." Eu senti que ia falar do quarto. Senti e "tem um quarto lá em cima que eu uso de depósito. É do lado do seu, deve ter visto" Antes de pegar o ar para minha indignação ele completou fechando a porta que "é trancado mesmo".
Fiquei em silêncio por algumas horas. Paralisei. Tudo. Ouvia quase que inconsciente as últimas palavras que foram dirigidas a mim. Tentava digerir. De trás para frente, misturadas. Que difícil distinguir o real do que não é. Sempre só senti. E, pela primeira vez, senti que foi real. E não foi. Senti mais errado do que todas as outras vezes. Mas sinto que ele mente. Tão bem. Não, ele não mente. Eu minto. Eu devo ser uma contadora de histórias. De mim, para mim. Eu me minto. Eu minto para mim. Em mim tô. Nunca contei isso para ninguém, você deve saber. Eu gosto de falar. Mas tenho medo de falar demais. Desvesti meu medo para te confessar essa história. E, como deve ter percebido, não sou muito boa nisso também. Sinto que você vai gostar de ouvir. Mas, veja bem, você tem que saber mais do que eu sinto. Vá. Mas vá agora. Porque, deve saber: se continuar, vai entrar em um lugar não muito certo. Vai entrar aonde nada é nada. E isso pode te confundir, angustiar e pior: contaminar. Não quero te cansar e muito menos te transformar. Se bem, que, se for bem formado ainda assim sempre precisa de transformação. Mas tem que querer. Tem que ouvir. Até o final. Pois, se não, só jogo palavras fora. E isso, eu tô cansada de fazer.

Meu menino.

Temos os nossos meninos:

A gente tem o primeiro namorico 
Sem nem selinho, nem nada
A gente tem o melhor amigo
Na adolescência, só de fachada
A gente tem o que parece namorado antigo.
"Vocês tem alguma coisa?" A gente dá risada.
A gente tem o amor de criança escondido 
E a gente fica boba, de boba boca calada

A gente tem saudades de um menino
Que sumiu assim: sem mais, menos, nem nada
A gente tem a surpresa de ver outro voltar
E a gente gosta dele: se sente acolhida, em casa
A gente tem o nosso menino que acalma
"Parece que a voz acalma." Ele dá risada
A gente tem os nossos meninos
O meu, por sorte, é em um
Todos
E mais alguns.